
Aos 21 anos ela descobriu o que é o amor e o que ele é capaz de fazer. Descobriu o amor e todas as incertezas que o rodeiam. Ela encontrou forças para seguir em frente, apesar de todas as circunstâncias e negações. Se manteve firme por fora, ainda que sentisse aquela rejeição indesejada no peito. Aceitou o desafio com a cabeça erguida e a ela foi revelado o amor mais belo e singelo no filho autista.
“Ser mãe é enfrentar o mundo, o preconceito. É ter medo e insegurança o tempo todo e estar pronta para tudo”, diz Layra Nunes Scheffer, mãe do menino João Miguel. Aos sete meses depois do parto ela levou o filho para um atendimento especializado a fim de investigar alguma disfunção. O filho já tinha uma certa idade e ainda não conseguia se manter firme e sentado. Foi levantada a primeira hipótese: “Pode ser que o teu filho seja autista.” Meses depois, na creche, as professoras chamaram Layra para conversar. “Achamos que o João é surdo porque quando a gente chama ele não dá nenhum sinal”.
Layra não conseguia acreditar que o filho pudesse ter algum transtorno. É difícil para uma mãe aceitar. Logo, ela levou João Miguel à uma psicopedagoga para buscar um diagnóstico. “Eu achava que ele não era autista, mas ficavam me levantando tanto essa suspeita que precisei saber de fato”.
A especialista sugeriu que ela assistisse a uma série televisiva de nome Atypical. “Eu assisti e chorei tanto, porque eu via o meu filho caracterizado naquela série”. Depois disso, Layra começou a fazer pesquisas sobre as características do filho na internet. Tudo o que ela pesquisava resultava em autismo. “Eu não queria acreditar”, lembra.
A psicopedagoga então perguntou se ela achava que o filho era autista. A resposta era uma só: “sim”. A partir disso, João Miguel foi encaminhado a um neurologista para buscar o diagnóstico médico. Cinco especialistas foram visitados e nenhum quis diagnosticá-lo. “Disseram que ele tinha características, mas não eram suficientes.”
Layra saiu em busca da AMA – Associação de Pais, Profissionais e Amigos de Autistas de Brusque e Região – para orientação. Um novo neurologista foi indicado e, este, realizou o diagnóstico.
Layra tinha um filho autista.
A doçura de João Miguel
Aos tantos minutos de entrevista tive a oportunidade de conhecer o coadjuvante da história. Um doce de criança. Menino esperto e carismático, João Miguel invadiu o quarto para ver a mamãe. “Oi titia, tudo certo?”, disse ele abraçando e beijando Layra. Agora, João Miguel frequenta a escola João Jensen, no Holstein, e continua com os acompanhamentos de fonoaudiologia, psicologia e socialização na Apae, tratamentos iniciados por volta dos dois anos.
Por ser professora, Layra afirma ter mais facilidade em lidar com o autismo. Ela possui dois alunos autistas e consegue compreender e distinguir as características peculiares de cada portador. Porém, o filho dela é diferente dos alunos. “Os autistas geralmente são um pouco mais agitados, mas o meu filho é super calmo”, relata.
Todos na escolinha adoram João Miguel. A mãe aponta um fator importante que tem contribuído para que o filho não sofresse preconceito no ambiente escolar: a conscientização. Atualmente, há uma visibilidade maior para os portadores do autismo tanto na internet quanto nas escolas. As crianças estão aprendendo desde cedo o que é o Transtorno do Espectro do Autismo e, consequentemente, lidando e acolhendo melhor os coleguinhas autistas.
Simpático e inteligente, aos três anos João Miguel gosta de livros e está aprendendo com maestria as línguas inglesa e alemã. Por possuir hiperfoco, que é uma concentração visual intensa, Layra cuida muito com as coisas que o filho destina o seu foco. Prestando muita atenção em algo banal, João acaba deixando de lado coisas importantes para ele. “Ao invés de ele assistir um desenho comum, por exemplo, eu coloco um desenho educativo. Além de entreter, ele aprende com isso”.
O autismo não tem cara
O preconceito que o filho de Layra sente é do tipo velado. Pelo motivo de o autismo não possuir uma característica física (não possuir cara, como diz o movimento internacional do autismo), muitas pessoas acabam não sabendo que ele é portador e confundem seus atos de forma equivocada.
João Miguel tem ataques quando precisa esperar muito, numa fila, por exemplo. A mãe afirma não ser birra. É um transtorno que ele possui por ser autista. Ele tem sentimentos exteriorizados de forma intensa. Desta forma, é julgado com os olhos das pessoas ao redor como uma “mãe que não faz nada para conter o filho birrento”.
Certo dia, em um restaurante de sushi, João Miguel estava andando e brincando em um banco. Layra sentiu os olhos de uma mulher voltados a ela e ao filho. Olhos que julgam, que condenam. Olhos que machucam. Certamente aquela mulher não sabia que se tratava de um menino autista. Uma criança fazendo coisa de criança: brincando. “Eu até mandei fazer um crachá de autista para ele ser identificado pelas pessoas que ficam olhando”.
A maternidade
Ser mãe é descobrir que as coisas mais importantes da vida se aprendem com uma criança. Se ela for autista, o aprendizado é dobrado. Para Layra, cada palavra, cada gesto do filho é uma grande conquista. “Sendo mãe de um autista eu aprendo todos os dias a ser paciente e esperar no tempo dele”. Ela afirma que se tornou menos exigente, feliz com pouco e está movendo mundos e fundos para que o filho cresça e se desenvolva, a fim de conseguir viver normalmente e sem problemas relacionados ao autismo.
Emocionada, Layra diz que foi escolhida para ser mãe do João Miguel. Ela é qualificada e corre atrás do conhecimento sobre as condições do filho e como não o prejudicar. “Eu fui escolhida. Sou muito capacitada para cuidar dele como ninguém mais seria. Deus me escolheu e é isso o que eu vou levar para o resto da minha vida”.
Ela deixa uma mensagem para todas as mães que estão ando pelo mesmo. “O diagnóstico é apenas um papel. Ele não muda quem o nosso filho é. Ele não muda a criança que a gente gerou, que a gente conhece, que a gente ama. Nós que somos mães de filhos autistas devemos pôr em nossas mentes que fomos escolhidas”.