Jovens que estavam na ocorrência envolvendo a agressão dos policiais registradas em vídeo e que se espalhou rapidamente no meio digital na semana ada conversaram com o Guabiruba Zeitung. Eles preferiram não se identificar e suas identidades foram preservadas pelo jornal, que veiculou a reportagem na última edição impressa.
Um deles conta que foi convidado por um amigo para a festa e foi até o local de carona. Estava na festa, no final do Holstein, por quase uma hora quando os militares chegaram. “Deu pra ver que eles chegaram meio nervosos, alterados. Mandaram os meninos ficar separado das meninas e começaram a enquadrar todo mundo, revistar”, conta uma dos integrantes da festa, declarando que vários veículos foram riscados durante o evento, e que ele supõe que tenham sido os policiais os responsáveis.
Outro jovem fala que os policiais chegaram chutando bebida, tudo que viam pela frente e que alguns participantes da festa saíram correndo por medo provavelmente de irem parar na delegacia. “Eles começaram a perguntar por que tinha gente correndo, se era porque deviam algo. Falavam com grosseria e ofensas”, diz. “Conseguiram achar uns rapazes e meninas que tinham corrido pro mato e quando pegaram eles, agrediram. A imagem do vídeo não mostra, mas teve agressão antes”, diz, mencionando spray de pimenta em uma menina e tapas na cabeça dos rapazes. “Falaram que tinham drogas, um monte de coisas ilícitas, mas que engraçado, porque ninguém foi encaminhado para a delegacia”, enfatiza. “Se eles receberam as câmeras para filmar as ocorrências, onde estão essas imagens?”, interroga.
Segundo o primeiro jovem entrevistado, em nenhum momento eles ofereceram resistência, apenas alguns tentaram fugir. “Ele [policial] foi revistar a menina e pediu para ela tirar o casado. A menina deu o casaco. Eu não sei se ela falou meio grosso, mas ele [policial] achou que ela foi debochada e jogou spray de pimenta no rosto dela. Um rapaz disse covardia, como aparece no vídeo”, referindo-se às gravações que foram disseminadas.
Ele diz que sabe que estava errado por ter ido à festa, porém não esperava que seria tratado dessa forma. “Fiquei triste de ver uma situação assim”, afirma.
Depois, segundo o jovem, todos foram mandados para o carro e como ele esqueceu o celular sobre a mesa, pediu para buscar e o policial que não aparece nas imagens bateu nele e também em outros com o cacetete. “Eu já cheguei a ser parado em blitz pelos policiais, mas eu nunca tinha sido tratado desse jeito”, frisa.
O jovem afirma ainda que “conhecia a fama agressiva dos dois policiais” que aparecem no vídeo. Ele também pontua que seus pais frisaram que eles não estavam corretos de terem ido na festa, mas que ficaram tristes com a atuação dos militares.
No final do vídeo, em que aparece uma voz dizendo para respirar, o jovem conta que além da menina que havia levado o spray de pimenta, outra teve uma crise de ansiedade quando viu na situação.
Relato da Polícia Militar
Após ouvir os policiais militares, o comandante da Polícia Militar em Brusque, tenente coronel Otavio Manoel Ferreira Filho, divulgou o relato dos três policiais envolvidos por meio de uma nota à imprensa informando que a equipe foi acionada por volta das 00h30 da madrugada de domingo (2) para atender uma ocorrência de perturbação do sossego e aglomeração de pessoas em desrespeito aos decretos municipal e estadual de controle à pandemia da Covid-19 no Holstein, bairro São Pedro, em Guabiruba, numa chácara particular já conhecido dos policiais por haver prática contumaz dessa natureza.
Conforme a nota, quando os policiais chegaram no sítio, alguns indivíduos fugiram para o mato, restando aproximadamente 25 pessoas no local. Como havia muitos veículos, os militares demoraram para chegar até o local onde estavam reunidas as pessoas, ambiente da filmagem.
“Em seguida, em busca aos pertences, foi encontrada certa quantidade de drogas ilícitas (maconha) numa mochila e meio cigarro da mesma erva sobre a mesa, além de estarem fazendo uso de bebidas alcoólica”, diz o relato. E prossegue: “Durante a busca nos veículos e na mata foi localizado mais um casal, no qual o masculino foi revistado e ao determinar a feminina para retirar o casaco, visando a revista deste, ela falou de forma debochada aos policiais “porque vocês querem ver alguma coisa?”, levando a mão sobre os seios por cima da blusa insinuando que queriam ver seus seios”, pontua a polícia.
Conforme os policiais que atenderam a ocorrência, desde o início do atendimento, os presentes tiveram uma postura debochada e desrespeitosa perante as autoridades policiais. “Bem como presenciaram murmúrios inadequados e não autorizados, pois foi determinado silêncio a todos, além de desobediência a algumas verbalizações, resultando em ações mais enérgicas por parte dos policiais na abordagem as quais estão repercutindo negativamente”, informa a corporação.
Menina nega que tenha se insinuado para policial
“Quando a polícia chegou ao local eu estava no ranchinho ao lado ficando com meu namorado, quando vimos que era a polícia ficamos sem reação”, diz. “Logo depois um policial encontrou a gente, mandou eu ir lá com o resto do pessoal. Ele disse pra eu não ir “se arrastando”. Eu fiquei quieta e fui. Ele foi com meu namorado mais pra frente ver se achava mais alguém. Eu fui lá onde todos estavam: pedi com licença e me sentei ao lado das outras meninas”, conta a menina que recebeu o spray de pimenta no rosto. Ela gravou o áudio dos diálogos e reou ao jornal.
No áudio, um policial pergunta ao outro se o casal estava se escondendo. A resposta do outro militar é de que estavam e, inclusive, estavam transando. Essa afirmação de que estariam transando, conforme a menina, foi o que a irritou. “Foi onde eu me alterei e respondi o policial: ‘deve ser’. O policial perguntou pra mim: ‘tavam se escondendo porque então?’ ‘Porque ficamos com medo’, respondi. E ele perguntou se era porque tinha droga e eu respondi que não”, relata ela, que frisa ter questionado se o policial achava que tinha alguma coisa se referindo à droga. “Em nenhum momento me insinuei como diz o policial. Ele distorceu minha palavra dizendo que eu falei se ele queria ver alguma coisa levando as mãos nos meus seios. “Quando ele pediu para eu tirar o casaco, entreguei pra ele e disse que ele podia ficar à vontade porque eu não tinha nada. Aí foi onde ele me chamou de debochada e viu que não tinha nada mesmo, me devolveu o casaco e tacou o spray de pimenta na minha cara, o que fez um dos meninos falar “covardia”. E então eles foram lá bater nos meninos, a partir daí não enxerguei mais nada por conta do spray, só coloquei meu casaco na frente do rosto e fiquei quieta”.
Investigação
O Ministério Público requisitou um inquérito, conforme já divulgado pelo Zeitung. O comandante do 18º Batalhão da Polícia Militar de Brusque, tenente coronel Otavio Manoel Ferreira Filho, afirmou que os fatos serão devidamente apurados e se for constatado e comprovado o abuso dos policiais eles irão responder pelos seus atos.
Ele também destacou a origem do evento e sua irregularidade. “Se aquela festa não tivesse ocorrido, se não tivesse havido a perturbação do sossego alheio, se a vizinhança não tivesse sido incomodada por aquela festa, se não tivesse tido drogas naquele local, nada disso teria acontecido. Um evento duplamente proibido com decreto estadual e municipal, havendo aglomeração de pessoas, que está proibido, consumo de drogas, que é proibido por lei, enfim, todo um contexto que não deveria ter ocorrido. A sociedade está focando no erro do policial e esquecendo o erro de um evento que não deveria estar ocorrendo”, afirmou tenente coronel.
Ele também destacou que não deve ser “crucificado” quem estava ali trabalhando, mas que deveria estar sendo reprovados os vários delitos ali presentes. “Aparentemente, ito, que há um excesso de energia utilizada pelo policial e que será devidamente apurado, e vão responder pelos erros que porventura praticaram, até poque a lei vale igualmente para todos”.
Ele também afirma que as câmeras estão sendo utilizadas por um policial por guarnição e que a da equipe que atendeu a ocorrência estava com o terceiro policial que não aparece nas imagens.
Como funciona a instauração de um Inquérito Policial Militar (IPM)
Conforme o comandante da PM em Brusque, tenente coronel Otavio Manoel Ferreira Filho, o Inquérito Policial Militar (IPM) é semelhante ao aberto na delegacia. “Numa delegacia, via de regra, há três tipos de procedimentos quando se registra um Boletim de Ocorrência (BO) ou chega uma notícia crime: flagrante delito, quando a pessoa é presa em flagrante de cometimento de um crime; inquérito policial para apurar um fato que é considerado crime, porém precisa de maior elucidação ou, ainda, se abre um Termo Circunstanciado (TC) para os crimes de menor potencial ofensivo e ou contravenção penal. Na Justiça Militar não existe o TC, e sim o flagrante delito e o Inquérito Policial Militar (apurar fato típico de crime) ou a Sindicância (para apurar infrações istrativas), que não é esse o caso”, explica.
Conforme o comandante, após aberto o inquérito, o prazo é de 40 dias para apuração dos fatos, prorrogáveis por mais 20. “Geralmente quem apura é um oficial da Polícia Militar pertencente ao Batalhão, que tem o dever de apurar de forma imparcial o que ocorreu naquele contexto, ouvindo as partes (vítima e acusado), as testemunhas, junta provas materiais e periciais, enfim, ao término ele dará um posicionamento se há ou não indícios de crime”, pontua.
Após esse trâmite, o inquérito vai para o comando da PM, no caso para o tenente-coronel Otavio, que dará um posicionamento quanto ao parecer do encarregado e posteriormente encaminhará para a Justiça Militar, a 5ª Vara criminal da capital, que fica em Florianópolis, que irá analisar.
Se o Ministério Público entender que houve crime denunciará os policiais ao juiz para serem julgados pela Conselho de Justiça composto por um juiz togado e quatro oficiais policiais militares, ou ser for crime de menor potencial ofensivo é oferecido aos policiais réus uma transação penal transformando a pena em penas alternativas (pecuniária, etc.) com base na lei federal 9.099/95, onde o processo é arquivado por cinco anos, não podendo nesse período o réu beneficiado cometer outro crime sob pena de desarquivamento. Caso não cometa depois desse período, o processo é arquivado definitivamente.
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